Vítima de Uma Sociedade Desestruturada

O frio e a umidade penetram na carne e se alojam nos ossos. O silêncio quase sepulcral parece tornar a noite ainda mais fantasmagórica. O vento gelado  assovia no telhado dando a impressão que almas penadas entoam um hino fúnebre.  Os ponteiros do relógio lá no fim do corredor parecem ter preguiça, andam devagar. É mais um fim de semana nesse inferno. Lá num cantinho, de cócoras, ela soluça e reclama da sorte. As lágrimas teimosas, apesar de escassas, cortam  o rosto sofrido, castigado pelas agruras da  vida.
Ela tem apenas vinte e oito anos, mas aparenta setenta. Pobre coitada. A única esperança de ver algo novo é ser sorteada para colocar o lixo na rua na manhã da próxima segunda-feira. Só assim ela poderá respirar, nem que seja só por instantes, um pouco do puro que há lá fora. Toda semana há sorteio e as quem têm sorte podem dar um “passeiozinho” na hora de levar o lixo para a rua. Aqui dentro tudo fede. Até o dialeto e  as gírias são malcheirosos.  Os assuntos aqui são desagradáveis. Os olhares maldosos e desconfiados causam desconforto, sobretudo às  novatas e inexperientes.
Daqui duas semanas ela poderá receber visitas, mas não poderá ver os filhos. Esse detalhe martela em sua cabeça a ponto de deixá-la louca. Ela roubou e está cumprindo pena. Lógico que não justifica o delito, mas roubou para alimentar os filhos pequenos. Essa é mais uma vítima de uma sociedade desestruturada que não oferece igualdade de condições a todas as pessoas. Semianalfabeta, dentes quebrados, cabelos maltratados, casada duas vezes e duas vezes separada, mãe de três filhos, o maior com 9 anos. Qual é a expectativa de uma pobre coitada como ela?  Que pode ela esperar da vida? Ficará um ou dois anos detida e depois irá para a rua sem casa, sem emprego, e o pior de tudo, sem sonho e sem esperança. Qual será o futuro dos filhos, uma vez que o dela já está comprometido? As cadeias brasileiras estão repletas de gente igual a ela.
Quem pratica delito deve ser recolhido na condição de reeducando, não na forma de lixo humano. As autoridades competentes devem separar quem pratica crime hediondo daqueles que realizam pequenos furtos ou delitos,  como é o caso do famoso ladrão de galinha. Não se pode colocar  na mesma balança o cara que roubou um pacote de arroz  no supermercado com aquele que estuprou, matou, sequestrou etc.  A primeiro é condenado a dois ou três anos de detenção e o estuprador pega uma cana de 20 anos, mas  ambos dividem a mesma cela. Pode isso?  O criminoso deve pagar pelos seus crimes, mas o governo deve oferecer melhores condições  àqueles que estão se recuperando e pretendem fazer parte da sociedade livre.

Benedicto Blanco  (Blanco Lençóis)